domingo, 31 de março de 2013

Os adoradores do sol



Quando coloquei os meus pés pela primeira vez em solo alemão, vi uma coisa que me deixou abismado: era início de verão, fazia sol e os alemães estavam literalmente espalhados por todos os cantos, deitados na grama, sentados em bancos e cadeiras, uns parcialmente, outros totalmente despidos, e todos tinham o rosto voltado para o céu.
Fiquei parado, observando a cena, admirando tanta devoção ao sol. Olhei para o relógio na torre da igreja e vi que era uma da tarde e lembrei que nessa hora qualquer baiano sai correndo do sol, buscando a sombra mais próxima. Mas os alemães não, ficavam ali, como se quisessem que os raios do sol torrassem as suas faces pálidas, depois de terem suportado um inverno severo e uma primavera que mais parecia outono. Todos tinham fome de sol. Confesso que tive dificuldade de compreender tal comportamento, já que o sol para mim era a coisa mais natural do mundo. Minha infância tropical foi diariamente aquecida com muito sol. Nunca imaginei que o sol pudesse ser algo tão especial para certas pessoas. Hoje, quase vinte anos depois, e depois de estar familiarizado com a vida na Alemanha, compreendo melhor o que vi naquele dia, mesmo que ainda me espanto quando dou de cara com um monte de branquelos estirados no chão, tomando banho de sol praticamente em qualquer lugar.
Tive a sorte de ter vivido grande parte da minha vida sem conhecer o inverno. Aquilo que na Bahia é conhecido como inverno só pode ser inverno de baiano mesmo: temperaturas em torno de vinte e quatro graus, quando faz muuuito frio, o termômetro mostra talvez vinte. Acreditem: ainda assim, os baianos sentem frio! Isso mostra o quanto o corpo humano se adapta ao seu ambiente. Em regiões realmente frias do planeta, fala-se de verão quando são atingidas as temperaturas do inverno baiano. Conheci na Europa o que é realmente um inverno: temperaturas abaixo de zero, dias curtos – no inverno, às vezes o dia só amanhece realmente às nove ou dez da manhã, anoitecendo entre quatro e cinco da tarde – e muito pouco sol. O céu pode ficar nublado por dias seguidos ou mesmo semanas, cai neve e chove muito. E quando chove, o solo fica liso, tendo sido pura sorte eu nunca ter caído e quebrado o nariz. Escorreguei muitas vezes, mas sempre consegui segurar-me em algo ou alguém.
Precisei passar por isso e fazer minha própria experiência com o inverno alemão para compreender tanta adoração pelo sol. Não demorou muito para que eu também saísse de casa nos primeiros dias ensolarados do ano, indo para a área verde mais próxima, estirando-me no chão e recarregando a minha bateria solar.
É normal que valorizamos pouco o que temos em abundância, enquanto outros fariam de tudo para ter um pouco mais da mesma coisa. E é assim com o sol. No Brasil, temos muito sol e o valorizamos pouco – pois até hoje nem sequer reconhecemos o potencial energético representado por tanto sol no Brasil. Ao invés disso, preferimos apostar em plataformas offshore de petróleo e até se fala agora em energia nuclear. O alemão vê o sol poucas vezes por ano. Para falar a verdade, os alemães vivem esperando pelo sol. Eles só falam do tempo, que é previsto várias vezes por dia por meteorologistas na televisão. Eles se alegram por qualquer dia ensolarado, saem para passear, sentam em cafés, andam de bicicleta… Mas dias de sol no inverno são raros e também extremamente frios, já que falta o efeito estufa provocado pelas nuvens. Portanto, no inverno, o alemão espera pelo sol da primavera, já mais quente, com temperaturas em torno de 15 graus, quando então já dá para sair de casa com menos roupa e sem bater os dentes. Só que a primavera alemã é uma menina mal criada, que faz o que quer. Às vezes, chove muito e os dias de sol são também raros. Isso faz com que o alemão na primavera espere pelo sol do verão, esse sim um sol de verdade, bem quente. Os dias de verão são longos, anoitecendo quase às dez da noite. No verão, os alemães estão felizes, de bom humor e curtindo a vida ao máximo. Eles lotam as piscinas públicas, lagos e rios, ocupam todos os cafés e restaurantes com lugares a céu aberto e só querem uma coisa: mais sol. Ele tem pressa de abastecer a sua bateria, pois ele sabe que o verão é curto e que também pode ser interrompido por uma frente fria ou quente (esta com trovoadas, inundações e tudo que se tem direito). Logo o verão passa e no outono a história se repete: os alemães voltam a esperar pelo sol. Mais do que compreensivo que esse povo adore o sol tanto assim. Portanto, quando você ver um alemão sentado no meio da rua com a cara para cima, voltada para o sol, deixe o coitado em paz. Ele precisa disso.
Interessante é que na Alemanha, apesar do pouco sol, a energia solar é muito mais aproveitada que no Brasil, que ainda investe muito pouco em energias renováveis. Na Alemanha é comum ver casas com placas fotovoltaicas no teto e muitos equipamentos públicos (como caixas eletrônicos para pagamento de estacionamento e bombas para chafariz) são hoje alimentados com energia solar. É difícil compreender porque aqui tanto se esforça para aproveitar o pouco de sol que se tem e o Brasil não se interessa realmente por esta tecnologia. Voltarei a escrever em breve sobre o Brasil e as energias renováveis. Agora vou continuar a esperar pelo sol. É primavera e lá fora está nublado e frio (+10 °C).

Nossos meninos



Os meninos, nossos meninos, nossos homens de amanhã, que ensinemos a eles, ainda cedo, a serem homens de verdade, a serem homens que pensam com a cabeça, capazes de sentir e perceber, homens capazes de chorar, que respeitem a vida, que se aceitem plenamente, sem se comparar a outros homens, que aceitem esses outros sem vê-los como concorrentes e que adorem as mulheres como suas outras metades, como a parte que lhe falta para que sejam completos e realmente felizes. Que entendam que o sentido de ser gente é ser gente livre, livre de laços e prisões, liberta do conceito de que homem é macho e macho é realmente homem, sabendo que somos mais do que isso.

Que nossos meninos aprendam desde cedo a desconfiar da imagem arcaica do homem que vemos até hoje, a questionar esse desvio no desenvolvimento da masculinidade, esse erro da evolução, que impediu que os homens progredissem também na sua identidade sexual. Crescemos em tantos aspectos, dominamos a técnica, mandamos mulheres, homens e macacos para o espaço, mas fracassamos em controlar a animalidade masculina, que ainda estupra, bate, maltrata, despreza mulheres e a vida, que leva marmanjos a se comportarem como selvagens, "brigas de galo", gladiadores, homófobos, trogloditas, irresponsáveis como pais, fracassados como maridos, imbecis. Em nome da potência masculina ainda matamos tubarões, rinocerontes e muitos outros animais e investimos tanto em remédios que garantam a potência eterna, "viagramos" pelo mundo em pílulas azuis e coquetéis de catuaba e guaraná, mas somos incapazes de curar a AIDS potencializada pela masculinidade deturpada desses homens infelizes, irresponsáveis, egoístas, limitados e pobres, que escravizam, violentam, dominam e amedrontam. Uma sexualidade desviada e exagerada, desesperada, que não leva a nada e termina na busca de consolo solitário em pornografia virtual. Uma sexualidade doente, que leva ao ridículo, comparando tamanho, esticando e puxando, tentando aumentar o cordão genital de machos vazios.

Os meninos, nossos meninos, que eles sejam mais do que isso, que eles sejam plenos, que busquem a verdade e uma sexualidade que os traga real satisfação, além de um orgasmo, mais perto do espírito. Que sejam mais que brutamontes em arquibancadas de estádios, que beberrões em tamboretes de bares e loucos em bancos de automóveis. Que não lhe baste a batucada e o pagode, que queiram mais que o grito de gorila, que aprendam o valor da sensibilidade, da coragem de ser profundo e que não se envergonhem por ver, por exemplo, a beleza de uma flor ou se deixar inspirar pelo pôr do sol.