sábado, 18 de maio de 2013

Se todos falam, ninguém realmente escuta...

O mundo moderno mudou muitas coisas, marcante é a velocidade na troca de informações, a rapidez em nossa comunicação. Enquanto que atigamente nos comunicávamos com mais tempo, escolhendo as palavras e aprofundando a percepção tanto na hora de enviar como de receber algo comunicado, não temos hoje mais tempo para isso. Qualquer informação se espalha tão rapidamente que muitas vezes já é ultrapassada quando a recebemos, pois já há uma informação mais atual. Essa velocidade não permite uma reflexão demorada, o que faz com que a rapidez prejudique a qualidade do que comunicamos: informações são passadas adiante sem que realmente reflitamos sobre elas. E isso gera uma dinâmica que traz poucos frutos, pois na avalanche de informações, geradas, recebidas e passadas adiante, nos vemos confrontados com nosso limite humano de processar tudo isso. Temos que filtrar, e muitas vezes filtramos errado. Informações de pouca relevância recebem assim, não raramente, uma impotância maior do que a merecida. Outras informações, mais ricas de conteúdo, podem passar despercebidas e cair rapidamente no esquecimento coletivo. Outro aspecto é a necessidade humana de se manifestar, die expor seu ponto de vista, de também dizer algo, de participar, ou seja, de enviar e não somente receber informações, o que faz crescer o número de conhecimentos partilhados. Além de partilharmos esses conhecimentos sem a devida reflexão, geramos uma verdadeira "salada de informações", esperando acompanhar a rapidez e receber de uma comunidade virtual a confirmação de que estamos acompanhando o "espírito do tempo moderno". O resultado desse aumento quantitativo de informações é a perda qualitativa de uma das coisas mais valiosas que temos: nosso poder do verbo, nosso poder de comunicação. Nesse contexto, me sinto como se estivesse sentado com várias pessoas em torno de uma mesa, conversando e discutindo, mas com todos falando ao mesmo tempo e querendo partilhar sua opinião. E o problema do falar ao mesmo tempo é que, se todos falam, ninguém realmente escuta.

Sobre a pobreza

Não é raro escutar no Brasil discursos sobre a pobreza, que a abordam como se ela fosse um problema genético, natural e inevitável. Fala-se dos pobres como se fossem uma classe diferente de seres humanos, preguiçosos e ociosos, ignorantes e acomodados, deixando completamente de lado a realidade histórica brasileira, que produziu um estado social extremamente injusto, desigual e até perverso, pois somente uma perversidade elitista e uma vasta estupidez explicam porque um país tão rico como o Brasil permite que crianças ainda passem fome. Há quem esqueça de que pobreza não é natural, mas sim feita por gente. Pobreza não é uma característica, pobreza é um estado. Ser brasileiro, por exemplo, isso é uma característica, coisa que fica. Um brasileiro não vira argentino só porque viajou para a Argentina, nem alemão porque foi na Alemanha. Ele continua brasileiro. Mas pobre? Dê dinheiro para o pobre e ele deixa de ser pobre, pobre que ganha na loteria vira milionário, ou seja, ele muda, ele passa a ser rico. A pobreza só é herdada porque hierarquia social infelizmente também é herdada. Ela não é, portanto, genética. Ela um estado, e estado pode ser mudado. Exponha o gelo ao sol e ele derreterá!

sexta-feira, 26 de abril de 2013

A paixão


S.K.D. Sulz escreveu que „a paixão é uma loucura”. Sim, quando nos apaixonamos, perdemos literalmente o juízo. O apaixonado fica totalmente entregue aos caprichos de seus sentimentos e uma fábrica química dentro de seu corpo assume o comando, desligando a razão. Você provavelmente já se apaixonou e sabe bem que a paixão não tem lógica, ela acontece ou não acontece, e quando ela acontece, nem sempre é aquilo que esperávamos. Lembro de um amigo que dizia que jamais se apaixonaria por uma mulher de aparência asiática e hoje está feliz, casado e perdidamente apaixonado por sua mulher japonesa. Não, ela não tem lógica, e nem poderia ter: a paixão é um processo bioquímico, nosso corpo produz substâncias que nos fazem sentir felizes, a vida fica “leve” e muito colorida. Essa loucura da paixão é importante e é uma loucura linda. É bom se apaixonar. Mas também é bom entender a paixão, pois ela, apesar de ser algo lindo, pode provocar também muita dor e sofrimento, já que mexe com coisas profundas, como nosso desejo de conhecer alguém, de amar esse alguém, de ser feliz a dois. A paixão é doce, mas também amarga. Entendê-la pode ser uma ajuda para evitar que a “doce loucura” termine se transformando em sofrimento.

Paixão não é amor

Eu diria que o amor é o destino. A paixão é um caminho.

Recordo-me de uma ex-namorada minha. Duas semanas depois de ter me conhecido, ela disse que me amava. Eu fiquei embaraçado e não soube bem como reagir. Estava claro que ela esperava ouvir o mesmo de mim. Eu estava muito apaixonado por ela, mas já a amava? Não, não a amava, pois, para mim, amar é em primeiro lugar gostar do outro assim como ele é. Mas, apesar de apaixonado e feliz, percebi que mal nos conhecíamos. Como eu poderia “amá-la assim como ela é” se eu ainda nem sabia direito como é que ela era. Percebi então a diferença entre paixão e amor. Eu estava apaixonado, feliz, otimista, planejando um futuro com aquela mulher, que eu queria conhecer, gostar cada dia mais, aprendendo a amá-la. Percebi que ela confundia amor com paixão. Acho importante entender que não é a mesma coisa. Ambos podem existir simultaneamente (tem coisa melhor do que estar apaixonado por quem se ama?), mas são coisas diferentes.
Mesmo que muitas vezes nos esqueçamos disso, o homem também é um animal, um ser vivo, parte da natureza. Todo ser vivo é biologicamente programado para sobreviver e se reproduzir, garantindo a existência da espécie. Soa seco, mas é um fato, que vale para qualquer ser vivo, para qualquer planta, para qualquer animal, também para os homens.

Não gostaria de ser mal entendido. Não quero de forma alguma reduzir a paixão a um mero instinto de sobrevivência. O encontro de duas pessoas, a atração física, a intimidade e tudo que acompanha essa fase fazem da paixão algo bem mais complexo, mas não deveríamos ignorar a importância de nossos instintos e do que acontece com nosso corpo e nossa cabeça quando nos apaixonamos.

O homem é um ser social. Com raras exceções, nenhum ser humano gosta de viver isolado, sem contato com outras pessoas. Isso fez com que ele, ainda cedo na sua evolução, optasse por viver em grupos, construindo mais tarde cidades, organizando em países, formando nações. Crescemos em famílias, nos sentimos intimamente ligados a determinadas pessoas, criamos laços emocionais, pois precisamos disso para sobreviver. Isso tem funcionado bem desde o inicio da vida humana neste planeta, já que estamos aqui até hoje. A estratégia social do animal homem não passou despercebida pela evolução humana, que achou um jeito de juntar mulher e homem e garantir a existência humana: a paixão. Uma solução bem mais elegante que o cio de outros animais.

Estou pessoalmente convencido de que nos apaixonamos pelo nariz. Diversos estudos comprovam isso. Mesmo que não percebamos de imediato (ou nunca!), é o nariz que decide por quem nos apaixonamos. Naturalmente há outros fatores, mas se o cheiro do outro não bater com o “programa biológico” do próprio corpo, ele não terá nenhuma chance. E acredito que percebemos isso muitas vezes. Talvez você conheça a experiência de achar uma pessoa atraente, de ficar interessado, de ver de novo, de ficar mais interessado ainda, mas perdendo rapidamente o interesse na primeira aproximação dos corpos. Tudo parecia perfeito, mas não funcionou mais a partir de um determinado momento. Normalmente isso passa despercebido, mas se você prestou bem atenção, foi o cheiro do outro que não agradou. Não falo de cheiro de perfume. Esse se pode comprar por aí. E nem digo que o outro cheirava mal. Falo do cheiro do corpo, do cheiro natural da pessoa. Isso não quer dizer que pessoas que “não se cheirem bem” não possam viver juntas e até mesmo amar uma a outra (amor não é paixão!). Mas duas pessoas com incompatibilidade de cheiro não vivem uma grande paixão.

 Às vezes nem entendemos porque não nos apaixonamos por determinadas pessoas. E muito menos entendemos por que nos apaixonamos por determinadas outras. Acredite: é o nariz. Escolhemos institivamente pelo cheiro alguém que tenha um sistema imunológico diferente do nosso para aumentar nossa resistência genética. Assim somos biologicamente programados. Quando o nariz dá o sinal verde e os demais fatores também estejam de acordo, o corpo produz dopamina e adrenalina, o nível de serotonina é alterado, a bagunça química começa, o corpo entra em festa, causando euforia e sentimento de felicidade, satisfação.

O que quero dizer é que a paixão é um caminho para que dois seres humanos possam se conhecer e talvez se amar. Precisamos dela, mas ela não é amor. Curta sua paixão e deixe o amor crescer. Mas use a palavra AMOR com moderação. Assim ela terá uma força digna quando for dita no momento certo, sem antecipação.

A paixão é cega

Na Alemanha se diz que alguém que se apaixona coloca óculos cor-de-rosa. Gosto muitíssimo desses “óculos cor-de-rosa”, pois descrevem bem o que acontece. Uma pessoa apaixonada vê tudo “cor-de-rosa”, tudo é bom, tudo é bonito, e nada é melhor ou mais bonito que a pessoa por quem se está apaixonado. A bagunça química causada no corpo desliga a razão, o coquetel que circula por nós faz com que nos sintamos “enfeitiçados”. Adrelina é um estimulante e serotonina tem propriedades similares às que possuem as drogas alucinógenas. A percepção do apaixonado é torcida, ele pensa todo o tempo na outra pessoa, de que tanto gosta e que deseja, achando que ela, independentemente da realidade, é uma pessoa perfeita.

A cegueira da paixão é às vezes perigosa, pois evita que se perceba a tempo problemas. Não é raro relações acabarem bruscamente no fim da fase de apaixonados. A paixão acaba, os óculos cor-de-rosa caem do nariz e de repente se vê as coisas como elas são. Quando estamos apaixonados, temos a tendência de relativizar ou ignorar defeitos do outro. Passando a paixão, a coisa perde o encanto e, no pior dos casos, a princesa volta a ser bruxa e São Jorge volta a ser dragão. Isso resulta não raramente em separações dramáticas e acusações recíprocas. Uma mulher apaixonada, por exemplo, até gosta de dormir abraçada com o namorado, escutando seu ronco e sentindo o tórax dele estremecendo. Quando a paixão acaba, o mesmo ronco pode ser motivo para uma separação.

É essa embriaguez que faz com que uma mulher conheça um homem, se apaixone, fique grávida, seja abandonada e somente então entenda que o “herói” dela não passava de uma fata morgana cor-de-rosa. Tem mulher que até perde muito dinheiro e até se endivida, pois acreditou na honestidade do cafajeste por qual se apaixonou. Dei dois exemplos de mulheres, mas o mesmo vale para homens. A paixão não nos permite agir de forma racional. Praticamente perdemos o controle sobre nossos atos. Ou como se explica que tantas mulheres engravidam e são abandonadas pelo pai da criança? Será que alguma delas teria ficado grávida se tivesse visto a realidade como realmente era? Ou como se explica que homens de meia-idade se apaixonam por mulheres com idade de suas filhas, separam-se das esposas, indo viver com a “menina”, voltando no final sem dinheiro e com a cara quebrada, rezando para que a esposa o aceite de volta?

Continuarei em breve...

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Mulher Maê!

Brasil Burro!

Texto escrito por um rapaz/homem de 19 anos que está cursando o nível médio em escola pública baiana (reproduzido aqui na íntegra)



terça-feira, 16 de abril de 2013

Redução da maioridade penal: uma reivindicação absurda!


Foto publicada no facebook, na página Verdade Oculta


É com preocupação que tenho acompanhado a campanha pela redução da maioridade penal para que adolescentes possam ser punidos como adultos.

Não percebemos realmente o absurdo de tal reivindicação? Fracassamos como sociedade, permitindo diferenças sociais e econômicas, consentindo que crianças pobres cresçam na marginalidade, sem educação, sem bons exemplos, sem perspectivas. Sim, somos nós, a sociedade, que deixamos esses jovens e adolescentes largados pela rua, os enxotamos quando eles querem lavar o para-brisa de um carro para ganhar uns trocados e os tratamos como se fossem seres de segunda categoria. Não nos importamos quando eles dormem embaixo de pontes, dentro de caixas de papelão e não nos preocupamos se estão tendo seus direitos respeitados, se estão se alimentando bem, se vão à escola e se estão protegidos contra marginais que os usam para praticar crime organizado, como o tráfico de drogas. Não acho que seja hipocrisia apelar para o bom senso e para a responsabilidade que cada um de nós tem como cidadão. É hipocrisia a sociedade permitir que crianças, adolescentes e jovens cresçam largados, na pobreza, sem perspectiva de vida e depois querer puni-los por isso.

De fato, o problema é sério, mas os malfeitores, os que realmente estão por trás disso, são maiores de idade. Por isso, não precisamos de redução alguma. Sim, os responsáveis pelos crimes cometidos por pessoas menores de idade são todos de maior. Por que não punimos os policiais corruptos que permitem que armas e drogas confiscadas voltem para as mãos de bandidos? Por que não punimos aqueles que agem sem escrúpulos, colocando armas nas mãos de crianças, colocando-as para trabalhar para eles? Por que não punimos os barões da droga, que as exploram e viciam, que ganham com a marginalização do jovem pobre? Por que não punimos os políticos corruptos, que ganham com a violência, que toleram ou até mesmo patrocinam o tráfico, que financiam campanhas eleitorais caríssimas com dinheiro de fonte obscura? E por que não damos uma sacudida em todos aqueles que nunca se importaram com o destino de crianças pobres, que nunca deram murro na mesa para protestar contra os absurdos sofridos por crianças no Brasil ou participou de qualquer manifestação a favor dos seus direitos, aqueles que se calam quando crianças pobres famintas pedem comida em restaurantes e são enxotadas como se fossem bichos, mas que agora chamam essas mesmas crianças de monstros, transformando vítimas em bandidos.

O problema da violência no Brasil é sério e precisa ser resolvido, mas não com reivindicações desse tipo. Se queremos resolver o problema da violência no Brasil, temos que cortar pela raiz, mudando estruturas e mudando a mentalidade, fazendo com que as pessoas parem de achar que pequenas picaretagens não são nada demais, deixando de pagar propina a polícia quando é pego dirigindo bêbado, acabando com as “taxas inoficiais” em cartórios e repartições, não sonegando mais impostos, etc., etc., etc. Seria necessário repensar o sistema judiciário brasileiro, que anda com cadeias superlotadas e crime organizado dentro delas. Precisaríamos de um consenso nacional em prol de nossas crianças, adolescentes e jovens, oferecendo educação, combatendo a pobreza, valorizando-os como aquilo que esses jovens são para nós: nosso futuro. E é esse futuro que estamos querendo colocar ainda mais cedo na cadeia.


Foto também publicada na página Verdade Oculta. Para rir, mas também refletir.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Pensamento do dia: o ódio

Ódio, mágoas, ressentimentos, pensamentos de vigança fazem a mal a quem sente... Pode até ser que o outro (o "odiado") venha a sofrer com isso, mas quem sente essas coisas sofrerá com certeza.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Frase do dia: a questão da culpa.

Não gosto da palavra 'culpa'. Para mim, a questão da culpa só existe na igreja e no tribunal. Prefiro falar de responsabilidade.

As férias da Babá


Se tem uma coisa que não gosto é o cinismo com o qual muita gente tenta se isentar da sua responsabilidade social. Vejo ricos, novos ricos e gente de classe média continuando a praticar um regime de quase escravidão, tratando empregados (principalmente os domésticos) como se fossem pessoas de segunda categoria, sem direitos e, pior ainda, sem dignidade humana. Se alguém duvida de que essa mentalidade primitiva é herança dos colonizadores portugueses, que vá a Portugal e veja de perto como até hoje os criados são tratados por lá.
Sim, me incomoda o cinismo, que vivi mais uma vez bem de perto em uma das minhas estadias em Salvador. Fiquei hospedado num hotel em Itapuã. Como não era verão e o carnaval estava muito longe, encontravam-se entre os hóspedes poucos estrangeiros, prevalecendo o turista brasileiro, de classe média alta. Lá também estava uma família do Sudeste do país: pai, mãe, avó e quatro crianças mal-educadas, que corriam e gritavam todos os dias às sete da manhã nos corredores do hotel, acordando a todos, ao ponto de eu um dia acordar mal-humorado, refletindo sobre canibalismo e desejando que Herodes passasse por ali. É claro que essa família havia trazido uma babá, que durante todo o tempo tinha que ficar correndo atrás das crianças, cuidando, tentando educar, desesperando-se. Observei por dias seguidos tal família, ficando horrorizado com a forma que lidavam com a criada, a serviçal, a semi-escrava. Os pais (e também a avó) queriam descansar, o que é compreensivo, pois para isso foram à Bahia. Portanto, as crianças eram sempre encaminhadas para a babá, sempre que queriam algo. Eles nem mesmo respeitavam o direito da babá de ter alguns minutos para comer em paz. Como os encontrava diariamente no café da manhã, vi que a coitada nunca podia tomar o seu desjejum sossegada, sendo constantemente interrompida pelos pais, pelas próprias crianças ou pela vovó preguiçosa, que era incapaz de ir pessoalmente ao quarto buscar algo que ela mesma por negligência havia esquecido. A babá tinha que largar o café na mesa e correr para atender os desejos do senhorio. À noite, o casal saía, a vovó ficava de bate-papo furado na recepção e a empregada, que dormia no mesmo quarto que os quatro monstros em miniatura, cuidava de todo o resto.
Certo dia, fiquei mais tempo sentado no restaurante do hotel, após o café da manhã, assistindo um programa na televisão, que me impressionou pela superficialidade. As pessoas foram-se aos poucos, ficando somente eu, a matriarca, as crianças e naturalmente a babá. Como essa última cuidava dos traquinas, a mãe sentiu-se com certeza entediada, começando uma conversa comigo. Desviei minha atenção do programa de televisão para a senhora, esperançoso de que o conteúdo de tal diálogo seria melhor do que aquele apresentado pela loira televisiva com o seu papagaio sintético esquisito. Infelizmente fui decepcionado, escutando um monte de abobrinhas, presenciando uma ignorância social (e geográfica, pois ela achava que o Ceará tem fronteira com a Bahia) que me meteu medo. A mulher falava mal dos funcionários do hotel (todos preguiçosos e pouco profissionais), da Bahia (que achava um lugar sujo e bagunçado), dos baianos (um povo burro e lento) e de tudo aquilo que não cabia no seu pequeno universo de madame brasileira. Críticas compreensíveis até certo ponto, já que a prestação de serviços na Bahia é algo que realmente deixa muito a desejar, mas incompreensíveis devido ao tom e à arrogância com os quais essas palavras foram ditas. A certo ponto, ela parou de criticar os outros, passando a elogiar a si mesma, indo ao cúmulo do cinismo quando disse o quanto ela (como patroa) era uma pessoa boa, tão boa que estava pagando as férias da babá em Salvador.

Férias ou trabalho?

Fiquei abismado com o que ouvi e ousei-me questionar se as “férias” da babá não seriam na verdade trabalho, mais exatamente um plantão de 24 horas por dia e 7 dias por semana, mas mulher não entendeu (ou não quis entender), apontando para a criada e sugerindo que ela estava muito feliz. Olhei para a babá. Vi como a pobre coitada estava “feliz”, catando miolo de pão do chão, que duas meninas capetas continuavam a jogar para cima, sem que ninguém percebesse a indignidade da situação.
Despedi-me e fui embora sem mais comentários, pois tive medo de perder a diplomacia e terminar “rodando a baiana”, dando a ela motivos para supor que o baiano, além de “preguiçoso, lento e burro”, seria também grosso.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

quarta-feira, 3 de abril de 2013

3 de abril: Frase do dia

Por mais que seja amargo o momento, a vida sempre tem seu lado doce!

A força do pensamento



Nossa mente influencia nossas vidas, às vezes até nos domina. Entender isso é muito importante para que possamos nos libertar de muitas tiranias da razão.

Passei hoje por uma situação que me mostrou mais uma vez a força que temos dentro de nossa cabeça: acordei hoje com muita sede, e bebi muita água. Depois saí para resolver umas coisas. Estava frio lá fora e não demorou muito para a água bebida se manifestar; eu precisava ir ao banheiro. Como sempre, não havia nenhum banheiro próximo, de modo que terminei segurando a vontade. Não tive sorte, não achei nenhum banheiro e terminei segurando por mais de duas horas. A vontade era forte, mas consegui controlá-la até com certa facilidade, já que não havia outro jeito mesmo. Ao chegar em casa e abrir a porta do apartamento, meu cérebro recebeu a informação de que o banheiro estava perto e de repente tive que correr, pois a bexiga parecia que iria estourar.

Parece simplesmente uma história banal, mas ela é bem mais que isso. Ela mostra o controle que nosso cérebro exerce sobre nosso corpo. E compreender isso pode nos ajudar em muitas situações, principalmente naquelas quando somos dominados pela razão, quando ficamos entregues à tirania de nossa cabeça, que nos controla, que nos bloqueia, que impede que nos libertemos de uma determinada situação, que normalmente se encontra no passado, mas que é mantida viva pela nossa cabeça, que por sua vez é alimentada por informações. Na história acima, a informação de que não havia banheiro por perto me ajudou a controlar meu corpo e a segurar a vontade, ou melhor, a necessidade. Quando cheguei em casa, onde havia um banheiro, essa informação perdeu a validade e o cérebro devolveu o controle ao corpo, que exigiu então seu alívio.

As informações influenciam nosso cérebro, que controla não somente nosso corpo, mas também nosso comportamento. Gostaria de tentar ilustrar isso com uma outra história: eu estava sentado em um avião, entre Salvador e Frankfurt, quando entramos em uma zona de turbulências. O avião sacudia levemente, mas de forma constante, os ruídos que vinham do lado de fora eram esquisitos. Uma situação desagradável, mas, enquanto isso, as aeromoças e aeromoços serviam o jantar. Olhei para o outro lado do corredor e vi uma senhora nervosa, com um semblante muito pálido. Vi que ela estava sentindo muito medo e sei que medo é uma coisa que só existe na cabeça. E sua cabeça tinha sido alimentada com as informações de que ela estava voando e que o avião, que pode cair, balançava o tempo todo. Resolvi tentar ajudá-la, passando a ela uma nova informação. Pedi a ela que observasse o comportamento da tripulação, que estava acostumada a voar, e que estava ali, tranquila, servindo o jantar. Disse-lhe que eles se sentariam de imediato e colocariam o cinto de segurança se a situação fosse crítica e que ela não precisava, portanto, ter medo. Ela olhou séria para a tripulação, ficou um tempo calada, respirou fundo e se sentiu mais aliviada. A palidez sumiu de sou rosto. Mas tarde, já no aeroporto, ela agradeceu e disse que eu realmente tinha razão. Ver a tripulação trabalhando normalmente a ajudou a perder o medo naquele momento, o medo que a dominava. Achei interessante perceber como bastou atualizar as informações para reprogramar o controle exercido pela cabeça.

Por que escrevo sobre isso? Por ter observado que algumas pessoas sofreriam menos se entendessem como as informações que recebemos - e mais ainda aquelas que armazenamos - têm uma grande influência sobre nosso comportamento, sobre a nossa forma de viver e sobre nossa saúde.

Entendendo essa relação entre as informações que recebemos e nosso bem-estar, podemos ajudar a nós mesmos, pois compreendemos então que é possível usar esse controle para mudar o que não está funcionando bem. Nossos pensamentos são resultados das experiências vividas e das informações recebidas/armazenadas. Podemos influenciar nossos pensamentos, aprendendo a observar a nós mesmos. Observe seu próprio comportamento, não como um juiz, querendo julgar se o comportamento é certo ou errado. Observe como um cientista, que quer entender o que está acontecendo. Seja crítico, mas seja também paciente e bom com você mesmo. Tente alimentar sua cabeça com as informações que você precisa, e tente atualizar informações antigas, que ficaram guardadas por algum motivo. Esse tipo de informação pode nos acompanhar por toda a vida, influenciando nosso comportamento, muitas vezes de forma positiva e útil, mas às vezes de forma deturpada e sem sentido. Um exemplo: uma pessoa que, por ter sido mordida na sua infância, entra em pânico quando vê um cachorro, pode controlar esse pânico através de contatos positivos com cães. É possível que ela corrija a informação armazenada de que “todo cachorro é perigoso, qualquer um poderia me morder”, entendendo que “a maioria dos cachorros não é agressiva. É necessário tomar cuidado, mas não é preciso entrar em pânico quando se vê um cão”.

A psicologia moderna sabe que as informações que recebemos têm grande importância para nosso comportamento e diz que é importante ter cuidado também com as palavras que usamos. O uso de palavras negativas nos prejudica. Sem que percebamos, usamos palavras que nos fazem mal, que reforçam uma informação negativa salva. Um bom exemplo é a palavra ‘ódio’. Quantas vezes ficamos com raiva e dizemos que odiamos algo ou alguém? Muitas vezes. Há quem argumente que fala ‘ódio’ mas não quer dizer ‘ódio’. Não estou seguro de que isso funciona. Normalmente sabemos o significado de ódio. Nossa cabeça sabe. E isso pode provocar uma reação de ódio, mesmo que não tenha sido essa a intenção. E o mesmo vale para muitas outras palavras, principalmente para todas aquelas que provocam em nós sentimentos de agressividade, culpa ou estresse. Se você ficar repetindo, por exemplo, que “a culpa é sua”, você vai terminar acreditando nisso. E isso não lhe fará bem.

O sorriso ao contrário


É claro que o cérebro não nos influencia só negativamente. Um bom exemplo é o sorriso. O cérebro recebe uma informação positiva, agradável ou engraçada e dispara o movimento de músculos em nosso rosto, provocando o sorriso. Muito interessante aqui é que se descobriu que o contrário também funciona: o sorriso ao contrário, ou seja, a movimentação dos músculos no rosto para provocar um sorriso passam um sinal positivo ao cérebro, que se contenta. É nisso que se baseia, por exemplo, a yoga do riso. É claro que nada substitui um riso espontâneo e verdadeiro, mas um sorriso falso é melhor do que nenhum sorriso. Sorria, então. Isso sempre faz bem.

Saúde começa na cabeça


Em uma fase de enfermidade, observei que conversava muito sobre minha doença. O que não percebi de imediato foi o mal que isso me fazia. Isso ficou claro quando tirei uns dias para descansar e fiquei cercado de pessoas que não conhecia. Praticamente não falei sobre meus problemas de saúde e dediquei-me a outros temas, em conversas agradáveis. No final, percebi o quanto me havia feito bem não pensar na doença por alguns dias. É lógico que temos que ocupar nossos pensamentos com nossa enfermidade, é claro que devemos tentar entendê-la, mas não devemos pensar nela o tempo todo. Devemos manter vigilância, observar a nós mesmos e intervir ao perceber que nossos pensamentos estão nos fazendo mal, buscando novas informações e experiências positivas, usando o cérebro como uma ferramenta super eficaz e preciosa, ao invés de se deixar dominar por ele.

domingo, 31 de março de 2013

Os adoradores do sol



Quando coloquei os meus pés pela primeira vez em solo alemão, vi uma coisa que me deixou abismado: era início de verão, fazia sol e os alemães estavam literalmente espalhados por todos os cantos, deitados na grama, sentados em bancos e cadeiras, uns parcialmente, outros totalmente despidos, e todos tinham o rosto voltado para o céu.
Fiquei parado, observando a cena, admirando tanta devoção ao sol. Olhei para o relógio na torre da igreja e vi que era uma da tarde e lembrei que nessa hora qualquer baiano sai correndo do sol, buscando a sombra mais próxima. Mas os alemães não, ficavam ali, como se quisessem que os raios do sol torrassem as suas faces pálidas, depois de terem suportado um inverno severo e uma primavera que mais parecia outono. Todos tinham fome de sol. Confesso que tive dificuldade de compreender tal comportamento, já que o sol para mim era a coisa mais natural do mundo. Minha infância tropical foi diariamente aquecida com muito sol. Nunca imaginei que o sol pudesse ser algo tão especial para certas pessoas. Hoje, quase vinte anos depois, e depois de estar familiarizado com a vida na Alemanha, compreendo melhor o que vi naquele dia, mesmo que ainda me espanto quando dou de cara com um monte de branquelos estirados no chão, tomando banho de sol praticamente em qualquer lugar.
Tive a sorte de ter vivido grande parte da minha vida sem conhecer o inverno. Aquilo que na Bahia é conhecido como inverno só pode ser inverno de baiano mesmo: temperaturas em torno de vinte e quatro graus, quando faz muuuito frio, o termômetro mostra talvez vinte. Acreditem: ainda assim, os baianos sentem frio! Isso mostra o quanto o corpo humano se adapta ao seu ambiente. Em regiões realmente frias do planeta, fala-se de verão quando são atingidas as temperaturas do inverno baiano. Conheci na Europa o que é realmente um inverno: temperaturas abaixo de zero, dias curtos – no inverno, às vezes o dia só amanhece realmente às nove ou dez da manhã, anoitecendo entre quatro e cinco da tarde – e muito pouco sol. O céu pode ficar nublado por dias seguidos ou mesmo semanas, cai neve e chove muito. E quando chove, o solo fica liso, tendo sido pura sorte eu nunca ter caído e quebrado o nariz. Escorreguei muitas vezes, mas sempre consegui segurar-me em algo ou alguém.
Precisei passar por isso e fazer minha própria experiência com o inverno alemão para compreender tanta adoração pelo sol. Não demorou muito para que eu também saísse de casa nos primeiros dias ensolarados do ano, indo para a área verde mais próxima, estirando-me no chão e recarregando a minha bateria solar.
É normal que valorizamos pouco o que temos em abundância, enquanto outros fariam de tudo para ter um pouco mais da mesma coisa. E é assim com o sol. No Brasil, temos muito sol e o valorizamos pouco – pois até hoje nem sequer reconhecemos o potencial energético representado por tanto sol no Brasil. Ao invés disso, preferimos apostar em plataformas offshore de petróleo e até se fala agora em energia nuclear. O alemão vê o sol poucas vezes por ano. Para falar a verdade, os alemães vivem esperando pelo sol. Eles só falam do tempo, que é previsto várias vezes por dia por meteorologistas na televisão. Eles se alegram por qualquer dia ensolarado, saem para passear, sentam em cafés, andam de bicicleta… Mas dias de sol no inverno são raros e também extremamente frios, já que falta o efeito estufa provocado pelas nuvens. Portanto, no inverno, o alemão espera pelo sol da primavera, já mais quente, com temperaturas em torno de 15 graus, quando então já dá para sair de casa com menos roupa e sem bater os dentes. Só que a primavera alemã é uma menina mal criada, que faz o que quer. Às vezes, chove muito e os dias de sol são também raros. Isso faz com que o alemão na primavera espere pelo sol do verão, esse sim um sol de verdade, bem quente. Os dias de verão são longos, anoitecendo quase às dez da noite. No verão, os alemães estão felizes, de bom humor e curtindo a vida ao máximo. Eles lotam as piscinas públicas, lagos e rios, ocupam todos os cafés e restaurantes com lugares a céu aberto e só querem uma coisa: mais sol. Ele tem pressa de abastecer a sua bateria, pois ele sabe que o verão é curto e que também pode ser interrompido por uma frente fria ou quente (esta com trovoadas, inundações e tudo que se tem direito). Logo o verão passa e no outono a história se repete: os alemães voltam a esperar pelo sol. Mais do que compreensivo que esse povo adore o sol tanto assim. Portanto, quando você ver um alemão sentado no meio da rua com a cara para cima, voltada para o sol, deixe o coitado em paz. Ele precisa disso.
Interessante é que na Alemanha, apesar do pouco sol, a energia solar é muito mais aproveitada que no Brasil, que ainda investe muito pouco em energias renováveis. Na Alemanha é comum ver casas com placas fotovoltaicas no teto e muitos equipamentos públicos (como caixas eletrônicos para pagamento de estacionamento e bombas para chafariz) são hoje alimentados com energia solar. É difícil compreender porque aqui tanto se esforça para aproveitar o pouco de sol que se tem e o Brasil não se interessa realmente por esta tecnologia. Voltarei a escrever em breve sobre o Brasil e as energias renováveis. Agora vou continuar a esperar pelo sol. É primavera e lá fora está nublado e frio (+10 °C).

Nossos meninos



Os meninos, nossos meninos, nossos homens de amanhã, que ensinemos a eles, ainda cedo, a serem homens de verdade, a serem homens que pensam com a cabeça, capazes de sentir e perceber, homens capazes de chorar, que respeitem a vida, que se aceitem plenamente, sem se comparar a outros homens, que aceitem esses outros sem vê-los como concorrentes e que adorem as mulheres como suas outras metades, como a parte que lhe falta para que sejam completos e realmente felizes. Que entendam que o sentido de ser gente é ser gente livre, livre de laços e prisões, liberta do conceito de que homem é macho e macho é realmente homem, sabendo que somos mais do que isso.

Que nossos meninos aprendam desde cedo a desconfiar da imagem arcaica do homem que vemos até hoje, a questionar esse desvio no desenvolvimento da masculinidade, esse erro da evolução, que impediu que os homens progredissem também na sua identidade sexual. Crescemos em tantos aspectos, dominamos a técnica, mandamos mulheres, homens e macacos para o espaço, mas fracassamos em controlar a animalidade masculina, que ainda estupra, bate, maltrata, despreza mulheres e a vida, que leva marmanjos a se comportarem como selvagens, "brigas de galo", gladiadores, homófobos, trogloditas, irresponsáveis como pais, fracassados como maridos, imbecis. Em nome da potência masculina ainda matamos tubarões, rinocerontes e muitos outros animais e investimos tanto em remédios que garantam a potência eterna, "viagramos" pelo mundo em pílulas azuis e coquetéis de catuaba e guaraná, mas somos incapazes de curar a AIDS potencializada pela masculinidade deturpada desses homens infelizes, irresponsáveis, egoístas, limitados e pobres, que escravizam, violentam, dominam e amedrontam. Uma sexualidade desviada e exagerada, desesperada, que não leva a nada e termina na busca de consolo solitário em pornografia virtual. Uma sexualidade doente, que leva ao ridículo, comparando tamanho, esticando e puxando, tentando aumentar o cordão genital de machos vazios.

Os meninos, nossos meninos, que eles sejam mais do que isso, que eles sejam plenos, que busquem a verdade e uma sexualidade que os traga real satisfação, além de um orgasmo, mais perto do espírito. Que sejam mais que brutamontes em arquibancadas de estádios, que beberrões em tamboretes de bares e loucos em bancos de automóveis. Que não lhe baste a batucada e o pagode, que queiram mais que o grito de gorila, que aprendam o valor da sensibilidade, da coragem de ser profundo e que não se envergonhem por ver, por exemplo, a beleza de uma flor ou se deixar inspirar pelo pôr do sol.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Som alto é crime!

Quanto mais alto, melhor! O barulho está fazendo mal ao Brasil. Homens instalam sistemas de som potentes em seus carros, estacionam em espaços públicos com o porta-malas aberto e, como adolescentes, competem uns com os outros para ver quem faz mais ruído. Não se tem qualquer cuidado ou respeito pelas outras pessoas. Cada um acredita que está no direito dele de ouvir a sua música na altura que quiser. Eles chamam isso de som democratizado, pois crêem que é algo bom dividir a barulheira dissonada com todo mundo. Eles não percebem que a sua música mais é ditatória, já que todos têm que ouvi-la, querendo ou não. E para piorar, a corrupção (com certeza, um dos problemas mais sérios do Brasil) atrapalha a luta contra a poluição sonora. Há controladores corruptos que deixam de dar multa para receber um valor menor “por baixo do pano”. Em lugares mais afastados, donos de bares são até avisados por policiais locais quando o controle finalmente aparece.  E é claro que esses policiais não fazem isso de graça. Pessoas sensíveis ao barulho, outras que estão doentes ou simplesmente aquelas que não tem nenhuma vontade de viver sob poluição sonora permanente são simplesmente deixadas sozinhas. Um controle eficiente só existe (quando existe!) onde vive a parcela mais abastada da sociedade.
A poluição sonora é um problema muito sério, que atinge todo o país. O grande barulho, principalmente nas cidades, tem perturbado a tranquilidade das pessoas. Carros com equipamento de som potente, tirando o sossego das pessoas e gerando sérias conseqüências criminais, de âmbito ambiental e danos à saúde pública. As leis são claras e deveria haver uma maior mobilização por parte da população brasileira e autoridades públicas para que elas fossem cumpridas.

O sofrimento de muitas pessoas é grande em toda parte do país, mais acentuadamente em regiões extremamente barulhentas como a Bahia. Bares, festas, som de carro, gritarias, motocicletas com escape manipulado, cachorros neuróticos latindo todo o tempo e até mesmo aparelhos de televisão em volume muito alto tiram o sossego de quem quer viver em paz. Sem falar dos conflitos sociais gerados pelo excesso de barulho, sabe-se hoje que a poluição sonora prejudica a saúde. Isso é fato comprovado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e na verdade já reconhecido há muito tempo pela legislação brasileira. Mas o que fazer quando um vizinho lhe incomoda com o som alto dele? Esse é um problema que afeta hoje muita gente. Basta buscar na internet informações sobre poluição sonora para perceber que esse assunto abrange todas as regiões do país. E o assunto é complexo, pois a desinformação da população é grande. A maioria dos barulhentos acredita, por exemplo, que pode ouvir música na altura desejada, contanto que seja antes das dez horas da noite, o que não é verdade. A proibição da perturbação do sossego alheio vale a qualquer hora, tanto faz se durante o dia ou à noite.

Muitas leis, pouca eficácia

A maior parte das cidades brasileiras possue legislação municipal que trata da poluição sonora. O problema dessas “leis do silêncio” é que elas muitas vezes não regulamentam claramente a questão da competência. Para a aplicação de uma lei municipal, é necessário que o município crie um órgão responsável ou atribua tal competência a um órgão existente, o que é feito muitas vezes sem a devida clareza. Quando o cidadão quer denunciar algum abuso relativo à poluição sonora, ele muitas vezes não sabe exatamente a quem se dirigir. E quando ele procura algum órgão, presencia um verdadeiro jogo de empurra. Tomo como exemplo o município de Camaçari, na Bahia, que possui uma legislação severa nessa área: a lei prevê multa de 300 a 50 mil Reais contra os infratores. Mas quando um cidadão busca ajuda dos órgãos públicos, nenhum deles se sente realmente responsável. O órgão oficialmente responsável, a STT, normalmente encaminha o cidadão para a polícia militar, que, por sua vez, recomenda que se procure a delegacia mais próxima. A delegacia diz que ele deve procurar a defesa civil, que, quando se consegue falar com ela, normalmente manda procurar um dos órgãos anteriores. A ouvidoria municipal, que também deveria agir contra a poluição sonora, recebe as denúncias, mas nada acontece. O mesmo vale para o Disque Denúncia do município. No final das contas, o cidadão fica sofrendo com um barulho infernal sem que nada seja feito. E esse jogo de empurra ocorre em todas as partes, não somente em Camaçari.

Não são necessárias leis municipais

Existem diversas leis federais que permitiriam acabar com o abuso sonoro, mas infelizmente falta perceber um interesse real das autoridades competentes em aplicá-las. Na verdade, as leis municipais não são necessárias, pois a legislação federal é clara e suficiente:

Decreto-Lei 3688/41, Lei das Contravenções Penais — LCP: Perturbação do trabalho ou do sossego alheios Art. 42 – Perturbar alguém, o trabalho ou o sossego alheios: I – com gritaria ou algazarra; II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais; III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos; IV – provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem guarda: Pena – prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, ou multa.

Ou seja, um decreto-lei de 1941 proíbe claramente o uso abusivo de som, prevendo como pena a prisão simples de quinze dias a três meses ou multa. Portanto, é incompreensível que o cidadão não seja amparado pela polícia quando é incomodado por algum vizinho. Diante disso, seria obrigação de todas as delegacias de polícia receber queixas e punir devidamente os infratores, mas raramente isso acontece, seja por desinformação ou descaso dos policiais responsáveis. Se existe uma lei federal, não há motivo para a polícia civil “empurrar” o problema para órgãos municipais. E, independente da queixa que pode ser dada na delegacia, deveria haver um maior engajamento da polícia militar, já que é o seu papel estar ao lado do cidadão no momento que o abuso acontece. Não é correto a PM negar tal apoio, seja lá por qual motivo. Se há lei federal que proíbe o abuso sonoro, é obrigação da polícia inibir tal abuso e punir os barulhentos. Como nenhum cidadão pode alegar que desconhece a lei, isso tem que valer igualmente para policiais. Se não sabem que há uma lei tão antiga que proíbe a perturbação do sossego alheio, que se informem devidamente.

Som alto provoca danos à saúde humana e à natureza

Outra lei federal: Lei 9605/98, Lei de Crimes Ambientais – LCA:
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Se o crime é culposo: Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Mesmo se não existisse o decreto-lei acima citado, essa outra lei bastaria para punir os infratores. Carros com a mala aberta, na beira de um rio, numa floresta ou na praia afetam a fauna e a flora. O som se propaga através de vibrações moleculares, o que perturba animais e plantas. Além disso, segundo a Organização Mundial da Saúde, ruídos acima de 70 a 75 decibéis podem causar distúrbios auditivos, levando a uma lenta perda da audição. Muita gente, com medo de reclamar do barulho, não reagem e sofrem com problemas de saúde. Os malefícios causados pelo barulho à saúde vão além do risco de deficiência auditiva. O barulho acarreta também  estresse, distúrbios neurológicos e cardíacos, insônia e dor de cabeça, redução da capacidade de comunicação e memorização e (!) impotência sexual, prejudicando claramente a qualidade de vida dos cidadãos.

O texto do artigo 54 da Lei de Crimes Ambientais também seria mais do que suficiente para punir os barulhentos. Mas isso ainda não é tudo:

O Art. 9 do decreto federal 6514 de 22/7/2008 prevê multa que vai de R$ 50,00 (cinqüenta reais) a R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais), além da apreensão dos objetos, veículos e ferramentas utilizados para o crime contra o meio ambiente. No caso do uso do som abusivo, podem ser apreendidos, portanto, tanto o som como o veículo do cidadão barulhento, ou seja, as armas do crime.
Som em carro parado ou no trânsito com volume acima do permitido pode resultar em 5 pontos na CNH e uma multa de R$ 127,69. O artigo 228 do CTB – código de trânsito brasileiro prevê ainda a apreensão do veículo.

Como vemos, a legislação federal proíbe claramente a poluição sonora e dá à polícia e ao Ministério Público poder suficiente para combater o som abusivo. Só é difícil compreender porque que as sanções não são praticadas, porque há tanta gente reclamando da passividade e inatividade da polícia, porque que há delegacias de polícia que até mesmo se negam a aceitar queixas contra pessoas barulhentas.

Corrupção nos órgãos de fiscalização

Infelizmente pode-se constatar em muitos casos que a causa da omissão dos órgãos de fiscalização é a corrupção praticada por seus funcionários. Uma situação conhecida na região metropolitana de Salvador: um cidadão liga para o órgão responsável e é atendido por um funcionário que o trata atenciosamente, escuta a sua denúncia sobre, por exemplo, um bar ao lado de sua casa, que toca pagode todos os dias até altas horas, promete agir, mas nada acontece. O cidadão volta a ligar, reclama, o funcionário volta a fazer promessas, envia a fiscalização, mas sempre que essa chega ao bar, não há som alto, não há flagrante, nada acontecesse. E essa história se repete. O interessante aqui é que o funcionário que atende o cidadão no telefone nunca lhe dá o número do protocolo da denúncia, já que ele sempre só faz de conta que registra a denúncia. Quando o cidadão se altera, fazendo uma pressão maior, ele envia de fato uma viatura da fiscalização, mas, ao mesmo tempo, avisa os donos dos bares, que baixam então o som antes da chegada da fiscalização. É claro que esse serviço de aviso não é gratuito.

Essa é uma situação difícil para o cidadão, já que para ele fica impossível reagir contra o abuso sonoro do vizinho e mais difícil ainda agir contra a corrupção praticada pela fiscalização, já que muitas vezes há policiais envolvidos na história. O medo de represália é muito grande e o cidadão, vítima da poluição sonora, prefere calar-se.

O negócio com o barulho

Soa estranho, mas é verdade. Atrás desta cultura do barulho funciona todo um mecanismo de fazer dinheiro. O faturamento é enorme: gravadoras ganham com a frequente mudança da "música em moda" (CDs, DVDs, mp3), emissoras de rádio ganham dinheiro com isso, canais de televisão atingem índices maravilhosos de audiência durante o carnaval e outras festas, o governo ganha com os impostos, funcionários públicos corruptos ganham com a não-aplicação de leis, blocos de carnaval ganham com fantasias, abadás e coisas afins, o negócio com o show e o entretenimento está indo de vento em popa, os donos de bares querem lucrar e quem mais ganha com tudo isso são as cervejarias, já que todo esse barulho é irrigado principalmente com muita cerveja. Quem sofre é a população, todo mundo, os que não gostam do barulho e os outros, que participam de tudo isso e no fim tem só os efeitos colaterais: prejuízos à saúde, menos dinheiro e conflitos sociais (poluição sonora é uma das maiores causas de conflito em Salvador e adjacências!), além de gastar muito dinheiro.


Desinformação da polícia

Outro problema é a má formação de policiais, que acham que não podem agir contra barulhentos. Soube de um caso de um policial que se negou a agir por não possuir aparelho de medição de decibéis, sendo que o abuso de instrumentos sonoros, capaz de perturbar o trabalho ou o sossego alheios, tipifica a contravenção do art. 42, III, do Decreto-Lei nº 3688/41, sendo irrelevante, para tanto, a ausência de prova técnica para aferição da quantidade de decibéis.

Apesar das leis claras, alguns policiais, desinformados, não sabem como agir, deixando a população sozinha com o problema. Mas, como já dito acima, o desconhecimento das leis não pode ser argumento para a polícia não agir, já que nenhum cidadão, muito menos se for policial, pode alegar não conhecer a legislação.
A polícia deve atuar coercitivamente, promovendo a tranqüilidade social, a paz coletiva, e atender à ocorrência de perturbação do sossego, seja lá quem seja o solicitante. O cidadão tem o direito de viver sem perturbações, e a força do Estado é o poder de polícia. Quando um policial se omite, deixa de cumprir sua tarefa e comete ele mesmo crime de prevaricação ou até mesmo de crime omissivo impróprio, respondendo pelas lesões causadas pelos ruídos.

Bares, eventos e festas

Muitas vezes somos incomodados por festas, eventos ou pelo funcionamento de bares e casas noturnas. Quando reclamamos, ouvimos a alegação de que “o barulho foi autorizado”. Mas não importa se a prefeitura concedeu ou não alvará para a prática de algum evento ou funcionamento de algum bar ou casa noturna. O que ocorre aqui é, segundo a legislação federal, um crime. Cabe aos proprietários de seus bares e de suas casas noturnas impedir a saída do som para a parte externa de seus estabelecimentos. Pouco importa também a existência de prova técnica que ateste a quantidade de decibéis. A polícia tem que agir. E tem mais: o cidadão que denuncia o crime não é obrigado a acompanhar a polícia até a delegacia. O cidadão que informa o Estado sobre uma infração penal não cometeu nenhum ato ilícito que lhe obrigue a isso. É suficiente que a polícia anote seus dados para fins de relatório e investigação.

Resumindo

Emitir som alto, fora dos padrões definidos em lei, é crime, e dá cadeia, além de prejudicar a própria saúde e da coletividade .Som alto é crime e crime tem que ser punido. Essa é uma obrigação do Estado e ele é, nesses casos, representado pela polícia. A penalidade para a perturbação do sossego alheio é a prisão por período de 15 dias a 3 meses, ou multa e, se a emissão do som atingir níveis que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana (Decreto 6.514 de 22 de Julho de 2008), haverá um caso de Poluição Sonora e para este crime as multas variam de R$ 5 mil a R$ 50 mil.

Portanto, cidadão, reaja, não aceite o abuso sonoro por parte de vizinhos e não aceite a omissão da polícia, o que também é crime. Procure a polícia (militar e/ou civil) e exija os seus direitos garantidos por lei.

A polícia não reage. O que fazer?

Procure uma delegacia e dê queixa contra os infratores, justificando do seguinte modo: - Decreto-Lei 3688/41, Lei das Contravenções Penais — LCP, artigo 42 - Lei 9605/98, Lei de Crimes Ambientais – LCA, artigo 54 - Decreto 6.514 de 22 de Julho de 2008 - No caso de veículo automotivo: Código Nacional de Trânsito, artigo 228 Apresente nome de testemunhas, se for o caso, o número da placa do veículo e todas as informações que possam ser úteis para comprovar o delito. Não é preciso comprovar o valor de decibéis. A lei é clara: o barulho do vizinho não pode lhe incomodar, muito menos prejudicar a sua saúde. Se isso não adiantar, dirija-se ao Ministério Público, de preferência através de um advogado. Caso entre em contato com algum órgão municipal de fiscalização, exija sempre o número de protocolo da denúncia feita. Caso o órgão não reaja, preste queixa contra esse órgão junto ao Ministério Público. Para tal, é necessário ter o número do protocolo, como prova da queixa prestada. A altura do som ouvido não é questão de gosto, mas de preservação da saúde humana e do meio ambiente. Em outras palavras, quem produz barulho lhe machuca, cometendo, portanto, lesão corporal. Você aceitaria que o seu vizinho batesse em você diariamente? Claro que não! Portanto, não aceite que ele lhe “bata” com música alta ou outro tipo de barulho.

Links:

Som alto é crime: pagina dedicada ao combate da poluição sonora no facebook

Poluição sonora é crime. Não silencie diante desse abuso.

Som alto é crime? O policial e o cidadão perguntam…

Abaixo-assinado SOM ALTO É CRIME!!!

Som alto é questão de polícia!

Poluição Sonora Veicular – Art. 228 do CTB

A poluição sonora e o direito à indenização por danos morais - de José Luiz Oliveira de Almeida

Poluição sonora e sossego público